conversa de botas batidas

'E vó, no teu tempo?

'Aaaah meu filho.. se o tempo fosse meu, não deixava ele ir não. Ficava lá.

'É ruim ser velha, né, vó?

'Né nada. É lindo meu filho. Se eu fosse moça ainda, sentada na cadeira fazendo tricô, a minha vó era viva mas tu não existia. E olha só que moço lindo!

'Então por que tu diz que não deixava o tempo correr, vó?

'Ah, porque nessa vida a gente sabe só do presente. Mesmo quando ele incomoda, dá um medo do que vem, sabe?

'Sei não. Acho bem bão esse trem de viver.

'É bom sim, meu filho, é bom sim.

(...)

'Mas vó

'Hum.

' E o passado, vó.

'Se foi, meu filho. Mas deixou esse sorriso aqui, que tu tanto elogia..

'É o mais lindo do mundo!!

' Eh, eh. Tu quer é que eu te faça um bolo, tinhoso!

'Pode fazer que eu gosto vó, mas do sorriso, sabe?é que não é todo mundo que fica com ele.

'Se o sorriso é da vó, quer dar pra quem ora essa!

'Mas não o teu, né. É que tem gente que fica sem cor quando o tempo passa. Como se cada pedacinho de tempo tivesse tirado um pouquinho da vida de dentro da pessoa, daí vai tirando, vai tirando, tirando... até que um dia sobra só ruguinha, mas nenhuma de sorriso, que nem essas tuas aí.

'É que não dá pra gente se apegar tanto em si mesmo meu filho. Tu me entende?

'Entender o quê?

'Essas coisas, meu filho. Isso da vida, sabe? Tu me pergunta hoje, e vão te perguntar também, até fechar os olhos. Só que as perguntas é que fazem a gente querer acordar, levantar. Eu tenho aqui comigo que é a dúvida que estimula, e a resposta que ninguém diz, a vida mostra aos pouquinhos...

'É devagar, eh, vó?

'É pra sempre, meu filho, é pra sempre. Tinha poeta lá do outro lado do mundo que já dizia, mas a gente aprende é aceitando que a gente nunca vai saber é de nada, e aí mesmo´mora o gosto de viver.